SÍNDROMES
MIELODISPLÁSICAS
As
síndromes mielodisplásicas (SMD) constituem um grupo heterogêneo de anomalias
crônicas, com
ampla variação de manifestações clínicas e patológicas, que apresentam em comum características
de medula
hiper ou hipocelular com comprometimento da morfologia e da maturação
(dismielopoese) e citopenia no sangue periférico decorrente de uma produção celular
ineficaz. Ocorre redução
de uma ou mais linhagens hemopoéticas (citopenia), incluindo as
linhagens celulares eritrocítica (hemácias), granulocítica (leucócitos) e
megacariocítica (plaquetas), com variável
grau de falência medular e de proliferação de células blásticas, sendo geradas por anormalidades
genéticas clonais de precursores hematopoéticos da medula óssea. Embora clonal,
a SMD é considerada uma doença pré-neoplásica para um subgrupo de pacientes que
costuma evoluir para leucemia mielóide aguda (LMA) quando tiverem herdado
outras alterações genéticas.
As
manifestações clínicas são inespecíficas e relacionam-se em geral aos graus de
citopenia e de displasias existentes: fadiga, astenia e tonteira devido à
anemia; febre, infecção e sangramentos, consequentes da neutropenia e
trombocitopenia, respectivamente. O início da doença, assim como a intensidade
dos sintomas, é variável, podendo ser assintomática e reconhecida a partir de
hemogramas feitos com outros propósitos. Em outros casos, o quadro pode ser
abrupto e agressivo, em geral acompanhado de um número aumentado de blastos.
A classificação da SMD foi
desenvolvida há mais de 20 anos numa classificação conhecida como o
franco-americana-britânica (FAB). O sistema usado hoje é da Organização Mundial
de Saúde (OMS) e expressa melhor o prognóstico.
Existem 7 categorias de SMD no sistema da OMS:
Citopenia refratária com displasia
unilinhagem (CRDU): pacientes apresentam número
baixo de um tipo de célula do sangue, mas números normais de os outros
dois tipos. Exemplos: anemia refratária (mais comum), neutropenia
refratária e trombocitopenia refratária.
Anemia refratária com sideroblastos em anel (ARSA): esta condição é semelhante à anemia refratária, exceto que 15% ou mais das hemácias no sangue ou na medula óssea contêm círculos de depósitos de ferro (anéis) ao redor do núcleo (estas células são chamadas de sideroblastos em anel). Este tipo raramente se transforma em leucemia.
Citopenia refratária com displasia multilinhagem (CRDM): a contagem de pelo menos dois tipos de células do sangue (hemacias, leucócitos ou plaquetas) está baixa. Sideroblastos em anel podem ou não estar presentes. O número de blastos na medula óssea é menor que 5% e no sangue são raros ou ausentes.
Anemia refratária com sideroblastos em anel (ARSA): esta condição é semelhante à anemia refratária, exceto que 15% ou mais das hemácias no sangue ou na medula óssea contêm círculos de depósitos de ferro (anéis) ao redor do núcleo (estas células são chamadas de sideroblastos em anel). Este tipo raramente se transforma em leucemia.
Citopenia refratária com displasia multilinhagem (CRDM): a contagem de pelo menos dois tipos de células do sangue (hemacias, leucócitos ou plaquetas) está baixa. Sideroblastos em anel podem ou não estar presentes. O número de blastos na medula óssea é menor que 5% e no sangue são raros ou ausentes.
Anemia refratária com excesso de blastos (AREB-1): um ou mais tipos de células estão baixos no sangue e anormais na medula óssea. O número de blastos na medula óssea é maior, mas inferior a 10%.
Anemia refratária com excesso de blastos (AREB-2): este tipo é semelhante ao AREB-1, exceto a medula óssea que contém entre 10% e 20% de blastos. A chance de AREB-2 se transformar em leucemia mielóide aguda pode chegar a 50%.
Sindrome mielodisplásica não classificada (SMD-U): este tipo de SMD é incomum. Para ser considerada SMD-U, os achados no sangue e medula óssea não conseguem se adaptar a qualquer outro tipo de SMD.
Síndrome mielodisplásica associada a deleção isolada do cromossomo 5 (del 5q): neste tipo de SMD, os cromossomos da medula óssea mostram que falta uma parte do cromossomo 5. No sangue, a contagem de hemácias é baixa, mas a contagem de leucócitos é normal. Muitas vezes a contagem de plaquetas é aumentada. O número de blastos na medula óssea é menos de 5%.
FISIOPATOLOGIA
As SMD podem ser classificadas como primária (sem exposição
conhecida) ou secundária como complicação de um tratamento agressivo de outras
neoplasias, com exposição a radioterapia, agentes alquilantes ou inibidores da
topoisomerase II e nos pacientes com ampla história de tratamento e transplante
autólogo de medula óssea.
A lesão inicial de células-tronco hematopoéticas pode ser
decorrente de quimioterapia citotóxica, radiação, infecção viral, estímulos
genotóxicos extrínsecos (exposição química a genotoxinas como o benzeno) ou interação
entre eventos oncogênicos múltiplos causados por instabilidade genômica
intrínseca (predisposição genética). Nos estágios iniciais, a principal causa
das citopenias é o aumento da apoptose (morte celular programada).
Lesão genética (cromossômica e molecular, por mutações,
deleções) e modulação epigenética de genes importantes contribuem para a
patogênese, além de fatores como instabilidade genômica, anormalidade da
transcrição do RNAm, desregulação das vias de expressão de genes/RNA e
alteração da função ribossômica.
Havendo a evolução e consequente conversão da doença em
leucemia, ocorre outra mutação genética (rara) e a proliferação das células
leucêmicas inunda a medula saudável.
EPIDEMIOLOGIA
Dados precisos
da incidência das SMD primária não são conhecidos. Estima-se que, entre a
população da América do Norte e Oeste da Europa, a proporção seja de 3,3 a 4,5
casos por cada 100.000 indivíduos. Afeta predominantemente idosos com a média
de idade entre 70 e 80 anos. É incomum em indivíduos com menos de 50 anos,
aumentando entre aqueles com 60 a 69 anos, tornando-se mais frequente naqueles
com idade superior a 70 anos. Existem trabalhos na China e no Japão que sugerem
uma diferença na frequência de SMD nos países do Leste (Ásia) quando comparados
aos do Oeste (Europa e EUA). Nesses estudos, a doença foi observada em
indivíduos mais jovens (53-57 anos) com predomínio de subtipos de melhor
prognóstico.
É mais comum em homens numa proporção de 2:1 e é duas a três vezes mais frequente do que a LMA.
Na infância, é incomum, sendo responsável por menos de 5% de todas as neoplasias hematológicas em pacientes com menos de 14 anos de idade, embora tenha uma incidência maior em crianças com síndrome de Down. Alguns subtipos encontrados nos adultos não ocorrem na infância, como é o caso da síndrome del(5q-) e da anemia refratária com sideroblastos em anel.
Embora a etiologia da SMD primária ainda seja desconhecida, alguns a relacionam ao uso de cigarro, à exposição ao benzeno e a outros solventes químicos utilizados na agricultura. A frequência de neoplasias hematológicas na história familiar sugere a influência de um fator genético. A SMD secundária, ao contrário da forma primária, está intimamente relacionada ao uso prévio de medicamentos quimioterápicos e/ou irradiações comumente utilizadas no tratamento de doenças neoplásicas prévias.
É mais comum em homens numa proporção de 2:1 e é duas a três vezes mais frequente do que a LMA.
Na infância, é incomum, sendo responsável por menos de 5% de todas as neoplasias hematológicas em pacientes com menos de 14 anos de idade, embora tenha uma incidência maior em crianças com síndrome de Down. Alguns subtipos encontrados nos adultos não ocorrem na infância, como é o caso da síndrome del(5q-) e da anemia refratária com sideroblastos em anel.
Embora a etiologia da SMD primária ainda seja desconhecida, alguns a relacionam ao uso de cigarro, à exposição ao benzeno e a outros solventes químicos utilizados na agricultura. A frequência de neoplasias hematológicas na história familiar sugere a influência de um fator genético. A SMD secundária, ao contrário da forma primária, está intimamente relacionada ao uso prévio de medicamentos quimioterápicos e/ou irradiações comumente utilizadas no tratamento de doenças neoplásicas prévias.
DIAGNÓSTICO
Exames laboratoriais de diagnóstico:
- Hemograma completo com reticulócitos: exame que avalia as
diferentes células no sangue: glóbulos vermelhos (hemácias), os glóbulos
brancos (leucócitos) e as plaquetas. É feita a contagem diferencial. As células
sanguíneas também podem ter certas anormalidades no tamanho, forma ou outras
características que podem ser vistas ao microscópio.
- Avaliação de sangue periférico
- Mielograma
e Biópsia de medula óssea: são indicados para o diagnóstico e classificação
e podem ser repetidos depois para avaliar resposta ao tratamento ou se há transformação
para leucemia aguda. Observa-se o tamanho e a forma das células além de
verificar se as hemácias contêm partículas de ferro ou ainda a granulometria
dos leucócitos. O percentual de blastos (células imaturas) é particularmente
importante.
- Ferro medular/sideroblastos em anel
- Citogenética: cromossomos
anormais são comuns em SMD. Translocações cromossômicas, deleções, adições
podem ser diagnosticados.
- Dosagem de eritropoietina
- Bioquímica com hepatograma
- Sorologias Hepatite B, C e HIV
- HLA se paciente < 60 anos
- Dosagem de vitamina B12
Exames auxiliares para o diagnóstico das SMD:
- Citoquímica:
uma amostra de medula óssea é colocada em uma lâmina de vidro e, em seguida,
exposta a corantes, que são positivos para as diferentes células doentes.
- Imunofenotipagem: uma amostra de medula óssea é colocada em contato com anticorpos específicos, sendo útil para distinguir diferentes tipos de SMD.
- Imunofenotipagem: uma amostra de medula óssea é colocada em contato com anticorpos específicos, sendo útil para distinguir diferentes tipos de SMD.
- Biologia
molecular: análise que detecta anormalidades cromossômicas
e genéticas.
Critérios Diagnósticos:
- Histologia: avaliar celularidade, alteração da topografia,
ALIP, fibrose e componente reacional
- Anormalidades decisivas:
- SP - Blastos, macrovalocitose, hipossegmentação
- Mielograma - Multinuclearidade e megaloblastose, aumento de blastos, hipogranulação e hipossegmentação, megacariócitos monolobados, bilobados e micromegacariócitos
- Histologia - clusters de megacariócitos, micromega e mega monolobados, ALIP
TRATAMENTO
Quimioterapia
Agentes Hipometilantes
Diminuem a atividade dos genes que promovem o crescimento
celular e destroem as células que se dividem rapidamente. Exemplos deste tipo
de droga incluem azacitidina e decitabina. Em alguns pacientes SMD, essas drogas
melhoram o hemograma, reduzem a chance de leucemia e prolongam a sobrevida.
Tratamento com
azacitidina ou decitabina é frequentemente a primeira escolha para pacientes
com SMD sem o problema cromossomo 5q.
Azacitidina exerce seus efeitos antineoplásicos por causar hipometilação
do DNA (pode restaurar a função normal a genes que sejam críticos para diferenciação
e proliferação) e citotoxicidade direta em células hematopoiéticas anormais na
medula óssea; os efeitos citotóxicos causam a morte de células que se dividem
rapidamente, incluindo células cancerosas que não respondam aos mecanismos de
controle de crescimento normal.
Decitabina inibe seletivamente as metiltransferases do DNA em
doses baixas, gerando hipometilação do gene promotor que pode resultar na
reativação de genes supressores de tumor, indução de diferenciação celular
ou senescência celular, seguida de morte programada da célula. Em
concentrações altas a decitabina é citotóxica.
Imunomoduladores
A talidomida era
utilizada no tratamento de SMD, mas a adesão era baixa devido aos efeitos
colaterais. A lenalidomida é uma nova droga relacionada com a talidomida que
tem menos efeitos colaterais. Inibe a
proliferação de determinadas células tumorais hematopoiéticas (incluindo
células plasmocitárias tumorais de Mielodisplasia Múltipla e aquelas com
deleções no cromossoma 5), aumenta a imunidade mediada pelas células T e NK e
aumenta o número de células NKT, inibe a angiogênese mediante o bloqueio da
migração e da adesão das células endoteliais e da formação de microvasos,
aumenta a produção da hemoglobina fetal pelas células estaminais
hematopoiéticas CD34+ e inibe a produção de citocinas pró-inflamatórias pelos
monócitos. Em SMD Del (5q), demonstrou-se que a lenalidomida inibe seletivamente
o clone anormal aumentando a apoptose de células com Del (5q).
Imunossupressão
Drogas que
suprimem o sistema imunológico, usadas com mais frequência em pacientes com
anemia aplástica (aplasia de medula óssea). Globulina anti-timócita (ATG) é um
anticorpo contra linfócito T, administrado por infusão venosa, que tem como mecanismo de ação eliminação de antígeno reativo
linfócito T no sangue periférico ou alteração da função da célula T.
Outra droga que funciona suprimindo o sistema imunológico é a
ciclosporina, que inibe o desenvolvimento das reações mediadas por células,
incluindo imunidade ao aloenxerto, hipersensibilidade cutânea tardia,
encefalomielite alérgica, artrite por adjuvante de Freund, reação enxerto
versus hospedeiro (GVHD) e também produção de anticorpos timo-dependentes. Ao
nível celular, inibe a produção e a liberação de linfocinas (fator de
crescimento de célula T); bloqueia os linfócitos durante a fase G0 ou fase G1
do ciclo celular e inibe a liberação de linfocina, desencadeadas por antígenos
pelas células T ativas.
Fatores de Crescimento
Fatores de crescimento hematopoiéticos são substâncias que
estimulam a medula óssea a produzir células sanguíneas. Estas substâncias são
produzidas naturalmente no corpo, mas foram sintetizadas para uso como
medicamento.
Os fatores de crescimento como fator estimulante de colônias
de granulócitos (G-CSF) e fator estimulante de colônias de granulócitos e
macrófagos (GM-CSF) podem melhorar a produção de leucócitos. Para
estimular a produção de hemácias, é utilizada Eritropoietina.
Terapia de Suporte
Para muitos pacientes com SMD o objetivo principal do
tratamento é para evitar os problemas causados pela baixa contagem de células
do sangue. Pacientes com SMD e anemia geralmente se beneficiam ao receber
transfusões de hemácias se a resposta a eritropoietina não é adequada. Pacientes
com problemas de sangramento decorrente da falta de plaquetas podem se
beneficiar a partir de transfusões de plaquetas.
Pacientes com baixa contagem de leucócitos são muito
suscetíveis a infecções. Infecções devem ser tratadas com antimicrobianos e nos
casos graves o fator de crescimento também pode ser usado, pois eleva a
contagem de células brancas do sangue para ajudar o corpo a combater a
infecção.
Transplante de Células Tronco Hematopoéticas (TCTH)
O transplante de célula tronco hematopoética (TCTH)
alogênico é o único tratamento que pode curar a SMD. Neste tratamento, o
paciente recebe altas doses de quimioterapia e/ou radioterapia corpórea total
(TBI) para matar as células da medula óssea. Em seguida, o paciente
recebe células-tronco saudáveis.
CASO CLÍNICO
Mulher de 71
anos internada para estudo etiológico de anemia (Hemoglobina de 7,3g/dL).
Referia astenia, anorexia, perda ponderal e lombociatalgia limitativa.
Apresentava-se pálida, com dor lombar à palpação e adenopatias axilares. A
anemia era hiporregenerativa, normocítica e normocrômica, havia inversão da
fórmula leucocitária e não se detectaram déficits de fatores hematínicos ou
outras causas evidentes. Considerada a hipótese de neoplasia com ocupação
medular, dentre os exames efetuados, a tomografia computadorizada torácica,
abdominal e pélvica não revelou alterações de relevo, mas a ressonância
magnética da coluna, além de patologia degenerativa e de fratura recente dos
corpos de L1-L2, mostrava alterações de sinal sugestivo de hiperplasia da
medula óssea ou infiltração neoplásica difusa. A investigação da medula foi
compatível com SMD – Anemia Refractária com Sideroblastos em Anel. O estudo
citogenético foi normal.
Conclusão: O
diagnóstico das SMD nem sempre é linear. O caso exposto resulta em apontar para
uma neoplasia sólida metastizada ou para leucemia/linfoma, apontando os métodos
de imagem no mesmo sentido. Com a inexequibilidade da histopatologia
ganglionar, o estudo da medula óssea foi determinante para o diagnóstico correto.
VÍDEOS
REFERÊNCIAS
Vassalho, J.; Magalhães, S. M. M. Síndromes mielodisplásicas e mielodisplásicas/mieloproliferativas. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. 2009;31(4):267-272.
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